segunda-feira, 6 de maio de 2013

A ASSISTÊNCIA À MISSA FONTE DE SANTIFICAÇÃO , Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, O. P.

A ASSISTÊNCIA À MISSA FONTE DE SANTIFICAÇÃO


  Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, O. P.

 A santificação de nossa alma se encontra em uma união, cada dia, mais íntima com Deus, união de fé, de confiança e de amor. Por isso um dos maiores meios de santificação é o ato mais elevado da virtude de religião e do culto cristão: a participação no sacrifício da Missa. Para toda alma interior, a Missa deve ser, cada manhã, como a fonte eminente, de onde derivam todas as graças de que temos necessidade durante o curso do dia, fonte de luz e de calor, semelhante na ordem espiritual, ao que é o nascer do sol na ordem da natureza. Depois da noite e do sono que são como uma imagem da morte, o sol reaparecendo cada manhã, dá, de alguma maneira, vida a tudo o que acorda na superfície da terra. Se conhecêssemos profundamente o preço da missa quotidiana, veríamos que ela é como um nascer do sol espiritual, para renovar, conservar e aumentar em nós a vida da graça, que é a vida eterna começada. Mas muitas vezes o habito de assistir a missa, por falta de espírito de fé, degenera em rotina e não recebemos mais então do santo sacrifício todos os frutos que deveríamos receber.


Este então deveria ser o maior ato de nossos dias e na vida de um cristão, sobretudo de um religioso, todos os outros atos quotidianos só deveriam ser o acompanhamento daquele, ou seja, todas as outras orações e pequenos sacrifícios que devemos oferecer ao Senhor durante o dia.

Lembremos aqui: 1º. o que dá valor ao sacrifício da missa, 2º qual é a relação de seus efeitos com nossas disposições interiores, 3º como devemos nos unir ao sacrifício eucarístico.

A oblação sempre viva do coração do cristo

A excelência do sacrifício da Missa vem, diz o Concilio de Trento[1], do fato de ser o mesmo sacrifício em substancia que o sacrifício da Cruz, porque é o mesmo sacerdote que continua atualmente a se oferecer por seus ministros, é a mesma vítima, realmente presente no altar, que é realmente ofertada; só difere a maneira de oferecer: enquanto há na Cruz uma imolação cruenta, na Missa há uma imolação sacramental pela separação, não física, mas sacramental do corpo e do sangue do Salvador, em virtude da dupla consagração. Assim o sangue de Jesus sem ser fisicamente derramado é sacramentalmente derramado[2].



Esta imolação sacramental é um sinal[3] da oblação interior de Jesus, à qual devemos nos unir; é também o memorial da imolação cruenta do Calvário. Apesar dela ser somente sacramental, esta imolação do Verbo de Deus feito carne, é mais expressiva do que a imolação cruenta do cordeiro pascal e de todas as vítimas do Antigo Testamento. Um sinal tira, com efeito, seu valor expressivo da grandeza da coisa significada; a bandeira que nos lembra a pátria, de tecido comum, tem maior preço a nossos olhos do que a flâmula de uma companhia ou do que a insígnia de um oficial. A imolação cruenta das vitimas do Antigo Testamento, figura longínqua do sacrifício da Cruz, exprimia somente os sentimentos interiores dos sacerdotes e dos fieis da antiga Lei; enquanto que a imolação sacramental do Salvador sobre nossos altares exprime, sobretudo, a oblação interior sempre viva do coração do “Cristo que não cessa de interceder por nós” (Hebr., VII, 25).

Ora, essa oblação que é como a alma do sacrifício da Missa, tem um valor infinito, que emana da pessoa divina do Verbo feito carne, sacerdote principal e vítima, cuja imolação continua sob uma forma sacramental.

São João Crisóstomo escreveu: Quando virem no altar o ministro sagrado elevando para o céu a santa hóstia, não creiam que este homem seja o verdadeiro padre (principal), mas, elevando o pensamento acima daquilo que atinge os sentidos, considerem a mão de Jesus Cristo invisivelmente estendida[4]”. O padre que vemos com nossos olhos de carne não pode penetrar em toda a profundeza desse misterio, mas acima dele está a inteligência e a vontade de Jesus sacerdote principal. Apesar do ministro não ser sempre o que deveria ser, o sacerdote principal é infinitamente santo; o ministro, mesmo quando é bom, pode estar ligeiramente distraído ou ocupado com as cerimônias exteriores do sacrifício, sem penetrar no sentido intimo, mas acima dele há alguém de um valor infinito, uma suplica e uma ação de graças sem limite de tamanho.


Esta oblação interior sempre viva no coração do Cristo é, por assim dizer, a alma do sacrifício da Missa. É a continuação daquela pela qual Jesus se ofereceu como vítima entrando neste mundo e em todo o curso de sua existência terrestre, sobretudo na Cruz.Quando o Salvador estava sobre a terra, essa oblação era meritória; agora continua sem essa modalidade de mérito. Continua sob a forma de adoração reparadora e de súplica, para nos aplicar os méritos passados da Cruz. Mesmo quando a última Missa acabar no fim do mundo e que não houver mais sacrifício propriamente dito, mas sua consumação, a oblação interior do Cristo para seu Pai durará, não mais sob a forma de reparação e de súplica, mas sob a forma de adoração e de ação de graças. É o que nos faz prever o Sanctus, Sanctus, Sanctus, que dá uma idéia do culto dos bem-aventurados na eternidade.
Se nos fosse dado a conhecer, imediatamente, o amor que inspira esta oblação interior, que dura sem cessar no coração do Cristo, “sempre vivo para interceder por nós”, qual não seria nossa admiração!

A Bem-aventurada Ângela de Foligno nos diz[5]: “Não tenho um vago pensamento, mas a certeza absoluta que, se uma alma visse e contemplasse algum dos esplendores íntimos do sacramento do altar, incendiaria, pois veria o amor divino. Parece-me que aqueles que oferecem o sacrifício, ou que nele tomam parte, deveriam meditar profundamente sobre a verdade profunda do mistério três vezes santo, na contemplação do qual deveríamos permanecer imóveis e absorvidos”.


*
Os efeitos do sacrifício da missa e nossas disposições interiores.

A oblação interior do Cristo Jesus, que é a Alma do sacrifício eucarístico, tem os mesmos fins e os mesmos efeitos que o sacrifício da Cruz, mas importa distinguir, entre esses efeitos, aqueles que são relativos a Deus e os que nos concernem.

Os efeitos da Missa imediatamente relativos a Deus, como a adoração reparadora e a ação de graças, se produzem sempre infalivelmente e plenamente com seu valor infinito, mesmos sem nosso concurso, mesmo que a Missa seja celebrada por um ministro indigno, desde que seja válida. De cada Missa se eleva, então, para Deus uma adoração e uma ação de graças de um valor sem limites, em razão da dignidade do Sacerdote principal que oferece e do preço da vitima ofertada. Esta oblação “agrada mais a Deus do que todos os pecados reunidos lhe desgostam”; é isso que constitui a própria essência do mistério da Redenção por modo de satisfação[6].




Quanto aos efeitos da Missa, relativos a nós, só nos são dispensados na medida de nossas disposições interiores.

É assim que a Missa, como sacrifício propiciatório, obtém, ex opere operato, para os pecadores que não resistem, a graça atual que os leva a se arrependerem e que os inspira a confessar suas faltas[7].As palavras do Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, parce nobis Domine, produzem nesses pecadores que não põem obstáculos aos sentimentos de contrição, o que o sacrifício da Cruz produziu na alma do bom ladrão. Trata-se aqui, sobretudo, dos pecadores que assistem a Missa ou daqueles por quem ela é dita.

O sacrifício da Missa, como satisfatório, apaga também, infalivelmente aos pecadores arrependidos, ao menos uma parte da pena temporal devida pelo pecado e isso em proporção às disposições mais ou menos perfeitas com as quais a assistem. É por isso que o Concílio de Trento diz que o sacrifício eucarístico pode ser oferecido também pelo sufrágio das almas do purgatório[8].



Enfim como sacrifício impetratório ou de Súplica, a Missa nos obtém ex opere operato todas as graças que temos necessidade para nos santificar. É a grande oração do Cristo sempre vivo que continua para nós, acompanhado da oração da Igreja, Esposa do Salvador. O efeito desta dupla oração é proporcionado ao nosso fervor e aquele que se uni o melhor que pode, está certo de obter para ele e para aqueles que lhes são caros, as mais abundantes graças.



Segundo Santo Tomas e muitos teólogos, esses efeitos da Missa relativos a nós são limitados apenas pela medida de nosso fervor[9]. A razão é que a influência de uma causa universal só é limitada pela capacidade dos sujeitos que a recebem. Assim o sol clareia e aquece em um só lugar tanto mil pessoas como a uma só. Ora o sacrifício da Missa, sendo substancialmente o mesmo que o da Cruz é, por modo de reparação e de oração, uma causa universal de graças, de luz, de atração e de força. Sua influência sobre nós só é, pois, limitada pelas disposições ou pelo fervor daqueles que a recebem. Assim uma única missa será tão proveitosa para um grande numero de pessoas como se fosse oferecida para uma só entre elas; assim como o sacrifício da Cruz rendeu ao bom ladrão tanto proveito quanto teria rendido se oferecido por ele só. Se o sol aquece, em um só lugar, mil pessoas como a uma, a influência desta fonte de calor espiritual que é a Missa não é menor em sua ordem. Quanto mais se assiste a Missa com fé, confiança, religião e amor, maiores serão os frutos que dela se retira.



Tudo isso nos mostra porque os santos, à luz dos dons do Espírito Santo, sempre tanto apreciaram o Sacrifício da Missa. Alguns, ainda que enfermos e doentes, queriam se arrastar até a missa, porque ela vale mais do que todos os tesouros. Santa Joana d’Arc, indo para Chinon, importunava seus companheiros de armas e obtinha deles, a força de insistência, que assistissem a missa todos os dias. Santa Germana Cousin era fortemente atraída para a Igreja quando escutava o sino anunciar o santo sacrifício, deixava suas ovelhas na guarda dos anjos e corria para assistir a missa; seu rebanho era bem guardado.


 O santo Cura d’Ars falava do valor da Missa com tal convicção, que tinha obtido que todos ou quase todos os seus paroquianos a assistissem. Inúmeros outros santos derramavam lágrimas de amor ou caíam em êxtase durante o sacrifício eucarístico; alguns viram no lugar do celebrante o próprio Nosso Senhor, o Sacerdote principal. Outros, na elevação do cálice, viram o precioso sangue transbordar, escorrendo pelos braços do padre e pelo santuário e anjos virem recolhê-lo em taças de ouro como para levá-lo por toda parte onde houvesse homens para salvar. São Felipe de Néri recebeu graças desse gênero e se escondia para celebrar por causa dos arrebatamentos, que muitas vezes, era tomado no altar.

Como nos unir ao sacrifício eucarístico?

Pode-se aplicar a isso o que Santo Tomas [10] diz sobre a atenção na oração vocal: “A atenção pode estar ou bem nas palavras para bem pronunciá-las, ou no sentido das palavras, ou no fim da oração, quer dizer em Deus e naquilo pelo que se reza... Esta ultima atenção, que os mais humildes, sem cultura podem ter, é algumas vezes tão grande que é como se o espírito fosse elevado para Deus e se esquecesse de todo o resto”.




Assim também para bem assistir a missa, com fé, confiança, verdadeira piedade e amor, podemos segui-la de maneiras diferentes. Podemos estar atentos às preces litúrgicas, geralmente tão belas e tão cheias de unção, de elevação e de simplicidade. Podemos lembrar a Paixão e a Morte do Salvador, cuja missa é o memorial e se considerar como estando ao pé da Cruz com Maria, João, as santas mulheres. Podemos ainda nos aplicar a render a Deus, em união com Jesus, os quatro deveres que são os fins do Sacrifício: adoração, reparação, pedido e ação de graças[11]. Desde que se reze, mesmo recitando piedosamente seu terço, assistimos com frutos à missa. Podemos também com grande proveito, como santa Joana de Chantal e muitos santos, continuar com a sua oração, sobre tudo se somos levados a um puro e intenso amor, um pouco como são João na Ceia repousando sobre o Coração de Jesus.


  Mas de qualquer maneira que se siga a Missa, é preciso insistir em em uma coisa importante. É preciso sobretudo nos unirmos profundamente à oblação do Salvador, o sacerdote principal: com ele, é preciso oferecê-lo a seu Pai, nos lembrando que esta oblação agrada mais a Deus do que todos os pecados lhe desagradam. É preciso nos oferecer, cada dia, mais profundamente, oferecer particularmente as penas e contrariedades que costumamos ter e aquelas que se apresentarão durante o dia.

É assim que no ofertório o padre diz: “In spiritu humilitatis et in animo contrito suscipiamur a te, Domine: É com espírito de humildade e coração contrito que vos pedimos, Senhor, de nos receber”.

O autor da Imitação, I. IV, cap. VIII, insiste com razão sobre este ponto: O Senhor diz: “ Como me ofereci voluntariamente a meu Pai por vossos pecados, na cruz..., assim deveis todos os dias, no sacrifício da Missa, vos oferecer a mim, como uma hóstia pura e santa, do mais profundo do vosso coração... É a vos que eu quero e não vossos dons... Se permanecerdes em vós mesmos, se não vos abandonardes sem reserva a minha vontade, vossa oblação não será completa e não estaremos unidos perfeitamente”.



No capitulo seguinte, o fiel responde: “Na simplicidade de meu coração, eu me ofereço a vós meu Deus, para vos servir para sempre... Recebei-me com a oblação santa de vosso precioso Corpo... Ofereço-vos também tudo o que há de bom em mim, por mais imperfeito que seja, para que vós a torne mais digna de vós. Ofereço-vos ainda todos os piedosos desejos das almas fieis, a oração por aqueles que me são queridos... A súplica por aqueles que me ofenderam ou entristeceram, por aqueles também que eu mesmo afligi, feri, escandalizei, sabendo ou não, afim de que nos perdoeis todas nossas ofensas mútuas... e fazei que sejamos dignos de gozar aqui na terra dos vossos dons e alcançar a vida eterna.”

A missa assim compreendida é uma fonte fecunda de santificação, de graças sempre renovadas; por ela pode-se realizar cada vez melhor para nós a oração do Salvador: Dei-lhes a luz que vós me destes, para que sejam um como nós somos um, Eu neles e vós em mim, afim de que eles sejam perfeitamente um e que o mundo saiba que vós me enviastes e que vós os amastes como vós me amais” (João, XVII, 23).

 

A visita ao Santíssimo Sacramento deve nos recordar a missa da manhã e devemos pensar que no Tabernáculo, se não há sacrifício propriamente dito, que cessa com a missa, no entanto Jesus realmente presente continua a adorar, orar e render graças. Deveríamos nos unir a essa oblação do Salvador a qualquer hora do dia. Como diz a oração do Coração Eucarístico: “Ele é paciente a nos esperar, apressado em nos atender; é a sede de todas as graças sempre renovadas, o refúgio da vida escondida, o mestre dos segredos da união divina”. Devemos junto ao Tabernáculo, “calar-nos para escutar, e abandonar-nos para nele nos perder[12]”.



Roma, Angélico.



(Tradução: Permanência. Originalmente publicado em “La Vie Spirituel” n º 187, 1º - 04 – 1935)



Traduzido a partir de www.salve-regina.com



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Notas:

[1] Sessão XXII,cap.I e II

[2] Do mesmo modo a humanidade do Salvador fica numericamente a mesma, mas depois de sua ressurreição ela é impassível,, enquanto que antes estava sujeita à dor e à morte.

[3] “Sacrificium externum est in genere signi, ut signum interioris sacrificii”.

[4] Homl.LX ao povo de Antioquia

[5] Livro de suas visões e instruções, cap. LXVII.

[6] Cf. S. Tomas, IIIa, q. 48, ª2: “Ille proprie satisfacit pro offensa, qui exhibet offenso id quod aeque vel magis diligit, quam oderit offensam”.

[7] Cf. Concilio de Trento, sess. XXII, c. II: “Hujus quippe oblationeplacatus Dominus, gratiam et domum paenitenciae concedens, crimina et peccat etiam ingentia dimittit”.

[8] Ibidem

[9] Cf. S. Tomas, III ª q,79, a. 5 et 7 ad 2um, onde não há outro limite indicadoa são ser aquele da medida de nossa devoção “secundum quantitatem seu modum devotionis eorum” (id est: fidelium). Cajetan, In IIIum, q. 79, a. 5. João de Santo Tomas, In IIIum, disp.32, a. 3. Gonet, Clypeus... De Eucaristia, disp. II, a. 5. no. 100. Salmanticenses, de Eucaristia, disp. XIII, dub. VI. Nós nos separamos completamente do que escreveu sobre este assunto P.dela Taille, Esquisse du mystere de la foi, Paris, 1924, p.22.

[10] IIa IIae, q. 82, a.13.

[11] A primeira parte da missa até o ofertório nos inspira sentimentos de penitencia e contrição (confiteor, Kyrie eleison), de adoração e de reconhecimento (Gloria in excelsis), de súplica (Colleta), de fé viva (Epitre, Evangile, Credo), para nos preparar para o oferecimento da santa Vitima, seguida da comunhão e da ação de graças.

[12] Recomendamos, para ler durante a visita ao Santíssimo Sacramento ou para meditar como assunto de oração, Les elevations sur laPriere au Coeur Eucharistique de Jesus, que foram publicadas pela primeira vez em 1926, Editions de laVie Spirituelle

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